PROJETO SEMENTES'22 | DIÁRIO DE MISSÃO 10

Estamos agora na última semana da nossa missão na comunidade de Loura, em Cabo-Verde, e a rapidez com que os dias passam é surpreendente. Incrédulos por já estarmos nesta etapa tão avançada da nossa jornada, permanecemos com a energia e a força que a missão nos exige e que nos tem definido ao longo das últimas semanas.

As adversidades e medos iniciais são agora, em retrospectiva, vistas com alguma naturalidade, embora faça parte desta experiência surgirem sempre novos desafios com os quais aprendemos a crescer, em comunidade, em grupo e individualmente.

A boa relação com a comunidade é algo que adquirimos naturalmente e, dia após dia, torna-se mais enraizada nos nossos corações e gestos. Todos os dias vemos como esta comunidade expressa uma vida dedicada a Deus, com muita humildade e sinceridade, oferecendo sempre o pouco que têm, sem esperar nada em troca, num verdadeiro sentido de gratidão.

Ao longo das semanas fomos percorrendo Loura, de forma a chegar a toda a comunidade. Conversamos, dançamos, rimos, brincamos, partilhamos experiências e aprendemos muito com todos eles. A comunidade de Loura está dividida em onze zonas, dando-lhes nomes muito próprios: Txada Cancelu, que é a zona mais movimentada, Lora Baxu, Pissora, Dires, Cancelu, Cancelona, Massape, Massape di Riba, Txom, Altu e Dacobralaio.

À medida que fomos caminhando pelos vales montanhosos e íngremes da comunidade, não conseguimos ficar alheios ao verde que, tão rapidamente, vai dando cor à paisagem da ilha. Do chão ondulado brotam todo o tipo de plantas e ervas. Ao contrário do que esperávamos encontrar em Cabo-Verde, a chuva tem sido uma realidade quase diária, pois Loura encontra-se numa zona muito alta da ilha de Santiago, ajudando no crescimento das plantações e no armazenamento de água para toda a população. 

Os nossos dias têm sido preenchidos especialmente com atividades com as crianças e com os jovens, que têm tido cada vez mais adesão, uma vez que já nos tornamos parte desta comunidade e os seus habitantes vão ganhado confiança. Todos participam com muita energia. As crianças já perderam a timidez inicial e todos os dias vão aparecendo caras novas. Os jovens, ainda que em menos quantidade, pois muitos deles têm de se ocupar com o trabalho das sementeiras, têm sido uma grande companhia e fonte de partilha de aprendizagens mútuas. São muitos os talentos que vamos encontrando entre este grupo, por exemplo, o talento do jovem Igor, com o nome artístico “Badiu di foraa”, um cantor e poeta cabo verdiano, que muito nos tem ensinado sobre a sua forma de ver o mundo. A sua mãe, a dona Nene, costuma dizer para “não ter medo de sonhar coisas grandes e partilhá-las com o resto do mundo”.

Na passada quinta-feira realizamos uma ação ecológica através do aproveitamento de garrafões de água, reutilizando-os como ecopontos, distribuindo-os depois pela escola, na unidade de saúde e na Igreja. Uma das realidades desta localidade é a descarga de lixo pelas encostas da ilha, dado que é ineficaz o sistema de recolha de lixo nesta zona, por isso, desenvolvemos ações de sensibilização junto da comunidade para os problemas da poluição e como esta pode afetar toda a comunidade, desenvolvendo doenças e poluindo a terra e a água.

Ainda que estas tenham sido atividades de grande participação, nada é comparável à longa e dolorosa caminhada até ao Pico Leão, uma das zonas mais altas. Caminhamos 23 km, por montes virgens de grandes altitudes e caminhos onde apenas as cabras pastam. Nos primeiros km o sol era intenso e a brisa quente parecia que abafava. Os caminhos levavam-nos a um tanque, ponto de paragem para um mergulho tão desejado. Deparamo-nos com nevoeiro, chuva intensa, trovoada e novamente muito sol. Quando pensávamos que estávamos a chegar ao destino, ainda tínhamos pela frente muitas subidas e descidas de pedra que nunca mais acabavam. Porém, ainda que a dor fosse intensa, os nossos corações transbordavam de admiração perante a imensidão de tanta e tão singular beleza.

Para além de todas as coisas boas que temos vivido com a comunidade, também o grupo de missão tem vivido momentos marcantes, muitos deles nos momentos de reflexão e partilha do final do dia. Numa destas noites, depois do momento da reflexão final, fomos ver as estrelas para o telhado, local sagrado para descomprimir dos dias mais intensos e para repor energias, enquanto contemplamos a bela paisagem africana. A noite foi marcada por um momento muito especial, num céu um pouco nublado, formou-se uma aberta em forma de uma cruz que a todos causou uma enorme admiração e que, no seu interior, nos permitiu ver as estrelas. Deus está connosco, foi a sensação que todos experimentamos neste momento de paragem do nosso dia. 

Sara Madureira, Gerontologia Social Aplicada (UCP)

In Diário do Minho (11/08/2022)


Comentários