PROJETO SEMENTES'22 | DIÁRIO DE MISSÃO 12

 

A quarta semana de missão em Salineiro começou, como de habitual, com a celebração da eucaristia de domingo. Aqui as missas são sempre um momento importante de reunião da comunidade, de partilha e de grande animação, e esta semana não foi diferente. Sinto a evolução da nossa missão e do envolvimento com a comunidade a cada semana que passa, já que, cada vez que vamos à missa, conheço mais membros da assembleia, mais pessoas nos vêm cumprimentar no fim da missa e cada vez sinto-me mais parte da celebração e não simplesmente alguém que é de fora.

Na comunidade de Salineiro há alguns problemas relacionados com violência, etilismo e toxicodependência, pelo que, achamos oportuno organizar momentos de conversa com os jovens da comunidade para abordar estes temas, que acontecem ao domingo à tarde. Não optamos por sessões expositivas sobre esses temas, mas sim por proporcionar momentos de conversa sobre “Bons e maus hábitos de saúde em Salineiro”, pois desta forma cada jovem identifica naturalmente um bom ou mau hábito que está presente na sua comunidade. Foi interessante verificar que, um a um, os jovens foram tocando nos pontos que queríamos discutir e fomos explorando esses temas com eles de uma forma mais aberta, descontraída e sem querer forçar a conversa sobre estes temas tão sensíveis e presentes nas suas vidas. Na verdade, as atividades com jovens são sempre mais desafiantes do que as atividades com crianças ou idosos, pois temos de cativar a sua atenção, o que nem sempre é fácil. No entanto, quando no fim da sessão os jovens nos perguntam quando é a próxima atividade para a sua idade, ficamos de coração cheio e com a sensação de missão cumprida. 

Quarta-feira foi dia de festa em São Lourenço dos Órgãos, a terra natal do Padre Joaquim, que nos tem acompanhado desde a nossa chegada à ilha de Santiago. Na segunda semana de missão já tínhamos tido a oportunidade de participar na festa de outra comunidade, chamada Santana. Porém, desta vez foi diferente, já que, não só pudemos experienciar uma das maiores festas religiosas da ilha de Santiago e vivenciar a grandiosidade dessa celebração, como também tivemos a oportunidade de conhecer a família do Padre Joaquim, o que foi muito gratificante para todos nós. 

Diria que as atividades com as crianças são o foco principal da nossa missão. Na comunidade de Salineiro há bastantes crianças e não há qualquer oferta de atividades para o tempo em que não há escola, pelo que, desde a nossa chegada que a comunidade nos pediu que desenvolvêssemos atividades divertidas para elas. Aliás, foi através delas que nos conseguimos integrar verdadeiramente na comunidade. De repente, os donos da mercearia passaram a ser “os pais da Paula e do Lenilson”, a senhora do pão passou a ser “a mãe da Kadija” e a dona da loja “a avó da Núria”. Assim, a cada dia que passa, vamos conhecendo mais crianças e fazendo um esforço por decorar os seus nomes, para que nos sintamos cada vez mais parte desta comunidade. São muito variadas as atividades que desenvolvemos com as crianças, da música a atividades mais educativas, elas não se cansam de aprender e de exigir de nós ainda mais. As nossas sessões com as crianças correm sempre bem, não é preciso muito para as fazer felizes e tornar o seu dia um pouco mais especial, mas esta semana, como já as conhecemos há algum tempo e vamos criando relações com elas, acho que correram especialmente bem, ao ponto de haver crianças a chorar porque não queriam ir embora no fim das atividades. 

As sextas-feiras são dedicadas à saúde, de manhã fazemos rastreios com medição da tensão arterial e da glicemia na escola básica de Salineiro e à tarde visitamos algumas casas de pessoas com baixa mobilidade que não se podem deslocar à escola. Para mim, enquanto estudante de medicina, estes dias têm uma importância especial, já que contacto com uma realidade diferente da que estou habituada em Portugal. Não há nenhum médico ou enfermeiro em Salineiro, nem há deslocações regulares de profissionais de saúde a esta região. Para aceder aos cuidados de saúde básicos, os habitantes de Salineiro precisam de se deslocar à Cidade Velha e o hospital mais próximo fica na cidade da Praia, a cerca de 20 Km de distância, o que é uma grande distância visto que a maioria dos habitantes não tem viatura própria para se deslocar, para além de arrecadar uma despesa que nem todas as famílias são capazes de suportar. O nosso papel nos rastreios de saúde passa, não só por identificar situações mais graves e aconselhar a ida ao centro de saúde, mas também por sensibilizar a comunidade como um todo para a importância de um estilo de vida saudável e para a importância de se deslocarem ao centro de saúde com alguma regularidade. Uma das situações que mais me surpreendeu foi a de uma senhora que veio ao rastreio e que tinha uma tensão arterial cuja recomendação em Portugal é “Dirigir-se com urgência ao hospital mais próximo”, mas a senhora, que tinha 84 anos, desvalorizou a situação e disse que já era habitual ter a tensão alta e que iria para casa tomar um chá. Nesse momento apercebi-me que estava numa realidade diferente e que não poderia usar a mesma bitola que uso em Portugal, pois estas pessoas também não têm a mesma acessibilidade e facilidade financeira para a deslocação como a que acontece em Portugal. 

Agora que a quarta semana está a acabar e que a nossa partida está cada vez mais próxima, começo a notar em alguns membros da comunidade uma certa nostalgia com a nossa partida. Também no nosso grupo de missão esse sentimento de partida está cada vez mais presente. Apesar de já sentir algumas saudades da minha família, amigos e do conforto que tenho em Portugal, tenho a certeza que sentirei muita falta destas pessoas, desta comunidade e da simplicidade com que vivi cada dia desta missão. Por vezes dou por mim a tentar gravar na minha memória todos os momentos, para que nunca me esqueça do que aqui vivi, com a certeza de que todos os momentos são irrepetíveis e que este mês em Salineiro será certamente dos mais especiais da minha vida. 

Beatriz La Féria, Medicina, UMinho

In Diário do Minho (17/08/2022)

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