PROJETO SEMENTES'22 | DIÁRIO DE MISSÃO 7

 Parece impossível que já tenham passado 20 dias desde que voamos rumo a África na comunidade de Loura – em Cabo-Verde. A sensação é que já pertencemos a este lugar. Os dias, até aqui, foram preenchidos com o olhar de amor do povo cabo-verdiano, que nos ofereceu a hospitalidade, “Morabeza”, a arte de acolher, sendo este, um dos maiores tesouros que guardam.

A população abre-nos as portas, para realizarmos atividade voltadas para a saúde, como aferir a pressão arterial, medir a glicemia capilar, terapia com tratamentos de feridas e realizar, no geral, o planeamento familiar, atuando na promoção e prevenção da hipertensão um dos principais fatores de saúde entre os adultos. É de ressalvar o interesse por parte da população pelas questões da saúde, visto que, frequentemente, são também as próprias pessoas que nos procuram para esclarecer dúvidas e ser por nós atendidas, algo que sentimos como bastante gratificante, porque é a comunidade a reconhecer o valor de quem está aqui unicamente para servir.

As atividades desenvolvidas com crianças e jovens são de grande aprendizagem. Didaticamente, construiu-se o corpo humano em desenho, pintando de forma artística e livre, recortando os principais órgãos e montando a estrutura do corpo, identificando o sistema neurológico, digestivo, vascular e pulmonar de maneira simplificada.

Tivemos também a oportunidade de experienciar a alegria das festas locais, que se caracterizam pela tradição, com música e danças típicas, sendo o funaná contagiante em todas as circunstâncias. Em Santana, localidade adjacente a Loura, há a tradição de comer em todas as casas por onde se passa, sendo típico comer uma pequena porção de comida em cada casa.

Num dos dias, pela manhã, tivemos a oportunidade de apanhar a “Hiace”, uma carrinha que funciona como pequeno autocarro, de modo a ir com os jovens de Loura ao Tarrafal.

Nesta localidade, que fica no lado oposto da ilha, foi possível visitar o campo de concentração, local onde estiveram, na época da ditadura, vários presos políticos portugueses, e a praia do Tarrafal, uma das poucas de areia branca, na ilha de Santiago. Esta praia é extraordinária, com grande história, e caracteriza-se pelas suas águas claras e quentes e de onde se avista a bela ilha do Fogo.

Relativamente às atividades com os jovens cabo-verdianos, foi interessante a caminhada que juntos fizemos ao Monte “Tchota”.

Estava um dia de sol intenso e o caminho fazia-se através de subidas íngremes que exigiu de todos nós forças redobradas, mas, com a ajuda mútua, alcançamos o pico mais alto, pelo que valeu a pena todo o cansaço. Como recompensa foi possível contemplar a vista de quase 360° graus de toda ilha de Santiago. 

Neste texto, merece também destaque a celebração da bênção dos mais velhos, ato arreigado na cultura da comunidade, que simboliza a ação de respeito e proteção por quem acumulou mais sabedoria. 

O ato em si consiste num gesto de estender a mão em posição “de receber”. Os avós e os pais seguram a mão, levando-a à cabeça e dizendo, “Que o anjo da guarda, Nossa Senhora e seu filho Jesus Cristo o proteja e acompanhe”. Tal gesto impactou-nos, e fez-nos refletir sobre o respeito e amor existente entre as famílias. É percetível que, para alguns membros da comunidade, somos como membros da família, concedendo-nos esse ato de amor e carinho.

Inicialmente, viver em grupo foi também um desafio que exigiu uma normal adaptação, pois cada um tem a sua personalidade e rotinas completamente diferentes dos outros. Algo de positivo na nossa vivência é o facto de, sendo de nacionalidades distintas, ser possível conhecer melhor as culturas e as tradições portuguesas e brasileiras, resultando em boas memórias, alegrias e até mesmo relembrar a infância e traquinadas que praticámos.

Os dias em Loura são preenchidos por gratidão e alegria. É extraordinário sentir a felicidade no olhar da comunidade por estarmos a viver com eles e, apesar da falta de água, da pouca comida e das parcas condições de saúde, encontramos sempre sorrisos nos rostos das pessoas com quem convivemos.

Rickson Cristina – Erasmus Enfermagem (UMinho)

In Diário do Minho (4/08/2022)

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