PROJETO SEMENTES'22 | DIÁRIO DE MISSÃO 9

Lá bem na linha do horizonte de Salineiro ergue-se, quase que de forma altiva, o mar. Uma paisagem que não limita a visão e que me dá ânimo e inspiração para escrever este texto. 

Nas entrelinhas deste horizonte surge a estrada que me trouxe a esta comunidade e que tem marcada a memória da minha chegada a terras cabo-verdianas. Uma chegada assinalada pelo entusiasmo e pela ânsia de começar esta Missão, para a qual me preparei durante o ano académico. 

No caminho até Salineiro fomos conhecendo um pouco daquele que seria o nosso contexto nestas cinco semanas missionárias. Devo confessar que um nervosismo miúdo foi surgindo muito timidamente, não pelo que deixara para trás, mas por todas as vivências que estava prestes a experienciar. Diria, por isso, que o incerto é, sem dúvida, uma forma de testar a confiança em nós mesmos. 

Nesta terceira semana, que teima em acabar como que um estalar de dedos, dou por mim a analisar interiormente o verdadeiro sentido de Missão. Uma palavra tão pequena, mas que carrega consigo um propósito imenso e muito nobre. Revivo para isso, e de forma intencional, o início da minha caminhada no Projeto Sementes. Todas as reuniões, todos os valores e ensinamentos que delas resultaram, assim como todas as pessoas que me acompanharam e que tornaram este percurso mais fácil, fizeram com que um dos objetivos últimos fosse concretizável: o poder fazer e ser Missão em África. Uma realidade que parecia ser tão distante, mas ao mesmo tempo cada vez mais presente e real.

Acredito que a vida é uma missão na qual o nosso coração é movido por forças interiores, o ser atraído e o ser enviado; é tornar as dificuldades em pequenos obstáculos a ultrapassar; é viver o dia a dia sem pressas, pois o amanhã trará as suas próprias preocupações e soluções. 

Têm sido dias preenchidos com muito amor e carinho por parte da comunidade de Salineiro que nos acolhe durante estas cinco semanas. Torna-se difícil conseguir descrever o quão bem-recebida me senti no coração de cada um destes “berdianus di terra”. Cedo me apercebi que o conceito de família nesta terra “sabi” é muito vincado, pelo que surgiu de imediato uma conexão bastante forte com estas gentes, levando-me a transportar também a minha mente para Portugal e para todos aqueles que me são próximos. 

Estar em Cabo Verde é ter a certeza de que a porta de casa estará sempre aberta para nos acolher, para tomar um copo de sumo ou até mesmo para comer uma bela cachupa com feijão congo, passando - sem esquecer – nesta viagem gastronómica pela famosa fresquinha

O dia para esta comunidade começa relativamente cedo: a ida para o trabalho nas Toyota Hiace, a matança do porco que ocorre ocasionalmente, não esquecendo as crianças, essas que mantêm o espírito vivo e que perguntam a cada dia “A que horas tem atividade?” De sorriso rasgado e cheias de energia, as crianças entram escola adentro ansiando que as atividades comecem. É afixado no portão um plano de tarefas para toda a semana, contudo a forma mais adequada de divulgação e atração tem sido o passa a palavra, caminhando pelas ruas de Salineiro fora e conversando com as pessoas desta comunidade. 

A música tem sido também uma presença forte na forma de começar os nossos dias com os mais novos e confesso que dá gosto ouvir cada uma das suas vozes, uns com mais garra que outros, mas isso são apenas pormenores, pois não há diferenças no entusiasmo que imanam quando participam nas atividades. As pessoas já nos conhecem na rua e acenam sempre que passamos, o nome de cada um de nós ecoa e o nosso instinto é o de sorrir, como manifestação da gratidão que sentimos por este gesto. O regresso parece estar cada vez mais perto, mas a cada dia que passa os ensinamentos e a sabedoria deste povo surte mais efeito em mim e faz-me querer levar cada umas destas pessoas na “maleta” (como eles costumam dizer).

O espírito do grupo tem sido a base para o sucesso desta Missão. Desde as reflexões e oração ao final do dia, à tomada de decisões mais importantes nos momentos de preparação do nosso trabalho de missão, todos esses momentos são fortalecedores e úteis para entender o propósito de ser missão. Dias antes de partir em missão, ouvi uma frase que ainda ecoa nos meus ouvidos até hoje e que a quero partilhar nesta reflexão: “Missão é mudança, e se essa mudança não estiver presente em cada um de vós quando voltardes para junto das vossas famílias e para o conforto das vossas casas, então o verdadeiro sentido de Missão não foi conseguido”. 

O meu desejo é que nunca me falte o espírito de mudança e que este seja chama que alimenta a minha alma e o meu olhar mais atento ao outro ao longo da minha vida. 

Preparo-me para partir de Cabo Verde muito mais rica em amor, sabedoria e compaixão. Não posso, por isso, estar mais grata pela oportunidade que me deram ao participar nesta Missão.

Mariana Verdelho, Direito (UMinho)

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